0316 - Glory Box - John Martyn [1998]

Vinho, morangos, lareira, velas e Portishead são clichês românticos. Porém, o último item só surgiu em 1994, com o álbum Dummy. Até então, os casais ouviam Al Green, Barry White e Marvin Gaye. E logo uma banda britânica pra mudar isso? Pois é. Glory Box é uma espécie de breviário da sedução. Dummy é um álbum maravilhoso, mas essa canção é uma das mais famosas (talvez a mais conhecida).

A voz de Beth Gibbons é sofrida, carregada de mágoas, uma interpretação visceral. Não poderia ser diferente. Glory Box tem no seu refrão a súplica, um pedido de razão para ser mulher. Sim. Você leu isso mesmo. Uma declaração triste, de quem amolece os ombros, curva-se para frente e acende um cigarro; de quem entrega os pontos aceita não ser a amada; de quem aceita a solidão e ponto final.

Nem assim deixa der apaixonante. Baixo, guitarra, cordas e os samplers fazem da música um soco num estômago cheio de borboletas. Lenta como um beijo deve ser. Forte como um quadro de Gustave Coubert na ABL. Sexy. Um exemplo de que o amor é sofrer, extenuar a alma e esvair as energias.


Aliás, não seria o sexo isso? Um entrega pelo prazer e felicidade do outro? Isso é Glory Box. Carnal, coração e cansaço. Mas o que acontece quando John Martyn, um cantor e compositor britânico faz sua versão para essa música? Onde ficaram os samplers? O que faremos com a paixão de Beth Gibbons?

John Martyn morreu em 2009, dando fim a sua carreira de mais de trinta anos. Fazendo uma péssima comparação, ele é um Nando Reis da rainha. Suas canções nunca foram famosas no Brasil, mas aconselho um minuto de sua atenção ao ótimo material desse músico. Em 1998, John Martyn lança um álbum de covers The Church With One Bell, contando com Glory Box entre as faixas.

Imagine só! Um artista, um senhor, um velho conhecido dando a sua versão dessa que é uma das canções mais sensuais dos últimos tempos. Tinha tudo para se aproximar do ridículo de um Roberto Carlos cantando “Se ela dança, eu danço”.

Mas não. Com uma alma de Bukowski, um tom bêbado, meio troncho, cambaleando, derrotado, John Martyn dá a única interpretação masculina possível para a canção. Como um senhor que se apaixona por uma jovem, como “Memórias de Minhas Putas Tristes” de Gabriel Garcia Marquez, o cantor interpreta com honestidade. Encantador e tão excitante quanto a original.

O uso da liberdade poética é aceitável. Agora, ele pede por uma razão para querer ser seu homem. A cartada final de um alguém qualquer sem grandes ambições ou esperanças.


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