(Discovers é um tópico do 1001 Covers que se dedica a trazer covers para todas faixas de um disco clássico - caso tenha alguma sugestão escreva para 1001covers@gmail.com)
Sua importância não se resume apenas a verve musical criativa do grupo formado por Joe Strummer, Mick Jones, Paul Simonon e Topper Headon. Ele é sobretudo um trabalho artÃstico que realmente com letras politicamente relevantes, que traduzia bem as angústias da juventude da época em relação as questões econômicas, sociais, sobre o racismo, consumismo, drogas, desemprego, guerras, em músicas marcantes e atemporais.
Nunca antes um disco punk, um movimento que simbolizava simplesmente a contra-cultura, foi tão punk sem o lance do "1-2-3-4 e vai". London Calling é muito mais do que isto. É um disco que traz a sua raiz punk no estilo mas com uma sonoridade que vai além da "tosqueira" ou da simples rebeldia. É o punk com o rockabilly, o ska, o reggae, com o pop, com pitadas de blues, jazz e R&B, cujo o resultado deste caldeirão ficou longe de ser um "mexidão". Pelo contrário, há muita coesão de inÃcio ao fim, sempre misturando as várias influências na medida certa, principalmente no ponto de deixar claro suas mensagens sem soarem chatas ou panfletárias demais, encontrando sempre um equilÃbrio de temas importantes com um toque de bom-humor e, acima de tudo, com altÃssima qualidade artÃstica. Talvez por isto foi (e talvez continue sendo) um disco que deu voz as várias "tribos" da geração pós Beatles, que já tinha perdido a esperança no Sistema e que já havia acordado da onda hippie do final dos anos 60.
O disco contou com a produção de Guy Stevens e de Mick Jones e contém 19 faixas, todas gravadas durante o ano de 1979 – daà talvez seu lançamento só no final de Dezembro de 1979. Para caber as 19 faixas, o álbum precisou ser prensado como um LP duplo. Contudo, como os integrantes do Clash sempre tiveram uma visão contrária ao capitalismo e a exploração das classes trabalhadoras e entendiam a música como instrumento de inserção social, eles impuseram a gravadora com quem tinha contrato, a CBS Records, que o álbum duplo fosse vendido a um preço de álbum simples, o equivalente a 5 Libras na época, que conseguiram após muita pressão.
Por tudo que representa e em comemoração aos seus 41 anos, selecionamos aqui covers para todas as faixas de London Calling, uma ótima maneira para se ter uma outra "ótica" a partir de diferentes artistas sobre essa obra-prima do Clash. Confira:
01 - London Calling - Bruce Springsteen, Dave Grohl, Steven Van Zandt and Elvis Costello [2003]
No prêmio Grammy de 2003, o vocalista e guitarrista Joe Strummer foi homenageado. Se estivesse vivo acredito que ele não aceitaria o prêmio da organização do prêmio dado ao seu vÃnculo com as grandes gravadoras. Mas com toda certeza ele ficaria muito feliz em ouvir esta cover feita Bruce Springsteen, Dave Grohl, Steven Van Zandt and Elvis Costello, que encarnaram toda a fúria e se imbuÃram no sentimento Clash de ser em pleno palco do Grammy.
02 - Brand New Cadillac - Brian Setzer Orchestra [1994]
Brian Setzer, ex-vocalista e lÃder do grupo Stray Cats fez uma excelente cover de Brand New Cadillac, uma composição original de Vince Taylor. O Stray Cats era um banda totalmente voltada ao rockabilly e fez muito sentido ele regravar esta canção quando saiu em carreira solo. Já a escolha do Clash para esta música ser a segunda faixa de London Calling recaia no fato de Joe Strummer a considerá-la como o primeiro rock de verdade da Grã-Bretanha dado ao paroquialÃssimo da BBC em sempre tocar o Skiffle e tardiamente reconhecer a importância do Rock'n'Roll, conforme consta no livro escrito por Martin Popoff "The Clash: All the Albums, All the Songs".
03 - Jimmy Jazz - Carla Bruni [2017]
A ex-primeira dama da França, Carla Bruni, fez uma versão bem jazzista para Jimmy Jazz em 2017 no seu disco de re-interpretações chamado French Touch. Uma versão para lá de arrumadinha e certinha. Nada próximo da interpretação original da banda, que por sinal é bem mais puxado pro blues do que para o jazz.
04 - Hateful - No Doubt [1999]
Hateful é faixa que faz clara alusão ao uso de drogas e faz referência a morte de Sid Vicious também (This year I've lost some friends. Some friends? What friends? I dunno, I ain't even noticed). Talvez por isto, a música tenha um ritmo mais frenético inÃcio e no trecho final mais lento, como um sobe e desce. Em 1999 foi lançado o disco tributo ao Clash chamado London Burning e a banda californiana No Doubt gravou justamente Hateful num estilo mais rock-ska. A interpretação vocal de Gwen Stefani caiu como uma luva nesta faixa.
05 - Rudie Can't Fail - The Mighty Mighty Bosstones [1999]
Outra cover do disco London Burning, Rudie Can't Fail é música com um astral para cima, bem na linha do reggae ska.Certamente Rudie Can't Fail é uma das melhores faixas de London Calling e o Mighty Mighty Bosstones acertou em cheio ao não mexer nos arranjos, principalmente nos arranjos dos instrumentos de sopros que são tão caracterÃsticos de música.
06 - Spanish Bombs - Ceci Bastida [2013]
A cantora e compositora mexicana Ceci Bastida, ex-vocalista da banda Tijuana No! e tecladista da banda de Julieta Venegas, gravou esta cover mais orgânica de Spanish Bombs em 2013 apenas acompanhada de acordeom, baixo e banjo. Apesar de seguir um ritmo mais lento a cover não fez com que música perdesse sua energia. Com os trechos em espanhol pronunciado perfeitamente por Ceci e com sua interpretação dando sentimento de saudade, faz com que você sinta a vontade de conhecer os locais da canção.
07 - The Right Profile - Soulfood International [2013]
A música que fala da vida do ator Montgomery Clift após ter sofrido um acidente de carro em 1956 e que o levou a ter problemas com abuso de álcool e drogas, é na versão original do The Clash uma música que possui linhas de instrumento de sopro muito bem arranjadas, num estilo bem mais puxado para o pop do que para o rock'n'roll. Já esta versão do grupo Soulfood International é totalmente calcado no dub e no reggae. Sem o acompanhamento dos metais, a versão gravada para o disco tributo The Clash Goes Jamaican mostra o quanto o reggae e o ska estava influenciando fortemente o Clash naqueles tempos.
08 - Lost In The Supermarket - Ben Folds [2006]
Os Sem-Floresta longa animado da Dream Works teve a maioria das músicas compostas ou intepretadas pelo sensacional Ben Folds. Numa escolha muito acertada para fazer parte da trilha sonora do filme, já que o enredo do desenho fala do desperdÃcio de comida pelos humanos e Lost In The Supermarket do Clash fala justamente sobre o consumismo. Ben Folds conseguiu fazer uma versão bem alto astral, sem inventar ou criar um arranjo totalmente diferente do original.
09 - Clampdown - Metallica [2016]
O Metallica ultimamente não tem sido feliz nas escolhas e nas execuções de covers, principalmente durante os shows da última turne da banda em 2019. Mas em 2016 eles fizeram uma excelente cover de Clampdown para o show beneficente Bridge School Benefit organizado anualmente por Neil Young.
10 - The Guns of Brixton - Jimmy Cliff [2011]
A música composta por Paul Simonon fala sobre dura vida, cheia de violência, vivida pelos imigrantes caribenhos no bairro de Brixton, localizado ao sul de Londres. Ela foi inspirada no personagem Ivanhoe Martin, um anti-herói "rude boy" vivido por Jimmy Cliff no clássico cinematográfico The Harder They Come (no Brasil, Balada Sangrenta). Perceba este trecho da canção: "You see, he feels like Ivan / Born under the Brixton sun / His game is called survivin' / At the end of The Harder They Come". Em 2007 o Arcade Fire fez um cover sensacional desta canção, a qual publicamos um post aqui. Porém nada melhor do que destacar uma cover feita pelo próprio Jimmy Cliff. Ele fez sua versão de Guns of Brixton em 2011 deixando-a muito mais calcada no reggae tradicional, tirando as rebarbas e o jeito desleixado de cantar de Paul Simonon.
11 - Wrong 'Em Boyo - Buck-O-Nine [2006]
Outra cover que o Clash decidiu gravar para London Calling, mais uma faixa com uma levada reggae e ska. A ótima cover feita pela a banda Buck-O-Nine para Wrong 'Em Boyo segue a mesma "receita". Ska e reggae de primeira, com um destaque sempre positivo para os instrumentos de sopro.
12 - Death or Glory - Social Distortion [2005]
Death or Glory é um faixa bem mais puxada para o rock dentre tantas canções de London Calling voltada para o reggae, ska e outros estilos. A cover para Death or Glory foi gravada pela banda californiana Social Distortion, foi feita para a trilha sonora do filme Lords of Dogtown (no Brasil, Os Reis de Dogtown).
13 - Koka Kola - La Furia [1993]
É uma das mais "aceleradas" do disco, com uma letra bem crÃtica aos executivos, principalmente a Coca Cola, e as propagandas que tentam relacionar os produtos aos bons momentos da vida quando na verdade sabemos que tudo não passa de uma manipulação. Essa cover foi feita pela banda argentina La Furia e é bem fiel a versão original e letra adaptada para o espanhol que é praticamente uma tradução direta.
14 - The Card Cheat - Bôas Teitas [2019]
Talvez a mais pop das faixas do disco, com direto a arranjos ao piano. Com uma letra que fala de um jogador, provavelmente de poker, que vive uma vida solitária e teve sua vida abreviada num desses lugares de jogos, morto a tiros por traficantes, mas que no fundo diz respeito ao quanto a vida é curta para ficarmos nos arriscando e deixando de lado as coisas realmente importantes. A cover feita pela banda argentina Bôas Teitas é bem menos pop e com uma pegada mais punk.
15 - Lover's Rock - Hervé Peawee & Kepi Ghoulie [2016]
Outra faixa que é bem pop de London Calling. A letra fala de forma irônica de como "tratar bem" a sua namorada, fala sobre sexo e pÃlulas anticoncepcionais rendeu algumas crÃticas à banda. Porém a maioria dos fãs concordam que é uma crÃtica debochada sobre como os jovens muitas vezes se relacionam sem se preocupar com gravidez. A cover de Hervé Peawee & Kepi Ghoulie ficou com um arranjo que caiu muito bem e nem faz a gente pensar que é uma composição de Joe Strummer.
16 - Four Horsemen - Creation Rockers [2009]
Aqui uma faixa onde a banda faz uma auto-crÃtica, apresentando o integrantes do Clash como os Quatro Cavaleiros do Apocalipse no estilo das paródias Monty Python que estão no meio de um dia um pouco ruim, uma tentativa de zombar de si mesmos, mostrando que eles reconhecem que suas letras à s vezes são muito pretensiosas. A cover dub feita pelo grupo Creation Rockers foi gravada um tributo a Joe Strummer e exagera até nos efeitos sonoros de ecos mas com certeza mantém o mesmo tom de paródia que é era o objetivo dessa canção.
17 - I'm Not Down - Thea Gilmore [2003]
Uma das covers mais bem ajustadas, que ficou praticamente perfeita para o estilo folk acústico da cantora e compositora inglesa Thea Gilmore, lançado em 2003 no seu disco Songs from the Gutter. A música que fala sobre se aprimorar a cada dia, sobre obter mais resiliência para lutar contra as nossas próprias fraquezas e tristezas, é realmente uma das mais roqueiras e alegres de London Calling por sinal. Já cover folk com direito a gaita e violões acústicos também não deixa ninguém "down".
18 - Revolution Rock - Los Fabulosos Cadillacs [1988]
Mais uma banda argentina nesta seleção de covers, numa das faixas mais calcadas no reggae do disco. E não poderia ser diferente pois essa é uma cover do Clash para a música gravada originalmente pelo grupo jamaicano Danny Ray and The Revolutioneers, lançada alguns meses antes de London Calling em 1979. Esta música fez sempre muito sucesso entre os fãs e quase sempre estava presente nos setlist dos shows de final de ano do Clash. Já versão dos Los Fabulosos me parece muito superior em relação a versão do Clash, com todo o respeito. O ska e os metais dos argentinos vestiu muito bem a letra adaptada para o espanhol que tem a mesma temática da letra original.
19 - Train In Vain (Stand By Me) - Annie Lennox [1995]
Apenas Train In Vain (Stand By Me) e Rock The Casbah de 1983 chegaram ao Top 40 das paradas norte-americanas apesar da extensa discografia do Clash. A frase Train In Vain apesar de aparecer no tÃtulo não aparece em nenhum verso da canção. A explicação dada por Mick Jones é que o ritmo da canção se assemelha a de um trem combinado com o sentimento de estar perdido ou estar sem rumo na vida. Muito dizem que a música conta sobre o fim do relacionamento de Mick com a guitarrista da banda Slits, Viv Albertine. De fato, muito versos falam de um relacionamento inseguro e cheio de desconfiança. O mesmo não se pode dizer desta excelente interpretação de Annie Lennox. Cheia de segurança em sua voz, com aquela contralto grave e potente que se casou certinho com o arranjo de levada mais R&B e soul. Uma última faixa sensacional, perfeita para fechar esse clássico.