(Discovers é um tópico do 1001 Covers que se dedica a trazer covers para todas faixas de um disco clássico - caso tenha alguma sugestão escreva para 1001covers@gmail.com)
Um detalhe importante é que Yankee Hotel Foxtrot foi rejeitado logo de inÃcio pela gravadora Reprise e por isto muito ele teve seu lançamento via internet e de graça para qualquer um baixar. O sucesso do disco via streaming foi tão grande que não demorou para uma outra gravadora, o selo Nonesuch Records, fechar com a banda, e o disco foi lançado nos formatos tradicionais em abril de 2002.
Minha relação com o álbum começou apenas no final do ano de 2003 quando eu o encontrei “largado” numa loja de CD (pois é elas ainda existiam) em Barueri, numa tarde quando eu voltava do trabalho de estágio para a república onde eu morava em São Bernardo do Campo. Eram bons tempos em que eu passava horas procurando CDs e gastava muitas horas no transporte público ouvindo muita música.
Lembro-me bem que o comprei muito motivado pelas publicações da revista Showbizz, que sempre falavam muitÃssimo bem do Wilco. Inclusive, li lembro-me de ler uma resenha super elogiosa na revista sobre outro disco do Wilco, o ótimo Summerteeth, antecessor do Yankee Hotel Foxtrot. Não me lembro de ter lido uma resenha na revista sobre o próprio Yankee Hotel Foxtrot, mas me lembro dos muitos elogios que Summerteeth recebeu e que ficou na lista de melhores discos de 1999 da revista. Desde então, minha curiosidade sobre a banda só aumentava.
Não tÃnhamos na época plataformas de streaming como existem hoje. Comprar discos do Wilco, uma banda que era praticamente desconhecida do grande público brasileiro (e continua nos dias de hoje) era tarefa árdua. Imagine você que no inÃcio dos anos 2000 havia apenas 3 opções: uma delas era tentar importar pela Amazon e esperar mais de 40 dias para chegar em casa, pagando muito caro em dólar. Ou tÃnhamos também a opção de ir até as lojas especializadas da Galeria do Rock em São Paulo e tentar comprar. E por último podÃamos optar por ficar horas e mais horas (e até dias) tentando baixar músicas no Napster, Audiogalaxy ou Soulseek de madrugada, pois se pagava menos pela internet depois da meia-noite.
Aliás, graças ao entrevero entre a Reprise e a banda, que Yankee Hotel Foxtrot foi lançado antes no Audiogalaxy e de graça. Fez tanto sucesso que mesmo sem sair por nenhuma gravadora ficou entre os melhores discos de 2001.
É por isto que considero a aquisição do Yankee Hotel Foxtrot ali em Barueri, perdido, por 25 reais da época umas das minhas maiores façanhas. Tive sorte na verdade. Verdade verdadeira é que devo agradecer a gravadora Warner, que lançou algumas cópias no Brasil que ficaram encalhadas naquela loja. Foi por isso...
Mas não foi só pelo preço. Foi também a qualidade da obra que havia adquirido e não sabia. Eu que até então nunca tinha ouvido Wilco na vida, fiquei apaixonado pelo álbum. Ouvi-lo de inÃcio ao fim, sem pular uma música era ficar felizão da vida.
E tem muitas outras lindas canções como Radio Cure, Poor Places e Reservations. Sobre essa última, confesso que virava a cara para ela, era a que eu menos gostava. Mas depois que tive umas desilusões amorosas, como essa música fez muito sentido para mim, tornando-se uma de minhas prediletas.
Yankee Hotel Foxtrot é daqueles discos perfeitos. Não tem música ruim. Dentre as inúmeras qualidades podemos citar o lirismo e qualidade dos arranjos. Nada blasé ou de experimentalismo chato. É um disco que mesmo 20 após seu lançamento ainda conquista muitos fãs novos fãs. Não à toa ele figurou entre os melhores discos do ano de 2001 mas também entrou na lista dos 500 Melhores discos da revista Rolling Stones edição de 2020 na posição 225.
Se você não ouviu nada do Wilco ainda, recomendo começar por este disco. Vale muito a pena conhecer a banda. Se você já conhece e é apaixonado pelo disco, que tal ouvi-lo de uma forma diferente. Fizemos aqui uma seleção de covers para cada música deste disco. É bem difÃcil selecionar pois quando gostamos muito de um disco, as músicas originais permanecem irretocáveis em nossa memória, sendo difÃcil ouvir uma versão. Mas tentamos ser criteriosos para presentear como forma de agradecimento aos 20 anos de existência de Yankee Hotel Foxtrot. Afinal 20 anos só se comemora uma vez!
01 - I Am Trying To Break Your Heart - JC Brooks & the Uptown Sound [2010]
O espÃrito “upbeat” e ritmo rápido da banda JC Brooks & the Uptown Sound deu um tom bem diferente a música de abertura do disco. Os metais e o estilo funkeado empregado fizeram com as desilusões amorosas do eu lÃrico da canção original mudasse de posição uma posição “coitado sofredor” para “rapaz galanteador” conquistador de corações. Uma transformação quase que total em relação a original.
02 – Kamera – The Brixton Riot [2017]
A banda norte-america de New Jersey, The Brixton Riot, conseguiu reproduzir sua versão sem modificar muito a essência da música original do Wilco. Uma guitarra acústica com uma marcação de bateria bem presente juntamente com o baixo. Se essa cover um pouco mais rápida e suja daria para transformá-la num punk ou hardcore. Mas do seu jeito, o Brixton Riot fez um bom trabalho.
03 – Radio Cure – Sharon Von Etten [2020]
“Oooh distance has no way of making love understandable” (Ooh a distância de modo algum consegue tornar o amor em algo compreensÃvel). Esta frase contida em Radio Cure é uma das mais bonitas de todo o disco. E nesta versão em especial ficou muito bonita na voz de Sharon Von Etten. Com um arranjo de piano e um ritmo um pouquinho mais acelerado que a original, Sharon Von Etten deu show!
04 – War On War – Wails [2013]
O duo Wails da cidade de Houston fez uma versão com um som mais espacial e reverberação, de pegada mais lenta que a original. Acreditamos que a ideia não era replicar nos mesmos moldes que o Wilco a interpretou no álbum. A música originalmente é mais rápida e alegre. Já a cover do Wails fica mais adequada ao tom de War On War, onde a letra diz que para viver a vida em sua plenitude é necessário aprender a perder.
05 – Jesus, Etc. – Paul Dempsey [2013]
Certamente a música mais famosa do disco e da carreira do Wilco. Apesar de conter Jesus na letra e no tÃtulo, a música não tem um caráter religioso. Em versos como “Tall buildings shake, voices escape singing sad sad songs” e “Voices whine, skyscrapers are scraping together, your voice is smoking” parecem ser claras referências aos atentados de 11 de setembro. Numa entrevista dada a revista Rolling Stone, Jeff Tweedy confirmou que não a compôs pensando nos atentados. Contudo ele afirmou: “Houve muitos ecos sinistros de 11 de setembro que ouvi no Yankee Hotel Foxtrot, talvez porque parte do foco foi ser introspectivo sobre a América. Eu entendi como as pessoas podiam ouvir isso nele. Estou obviamente muito, muito honrado se alguém encontrou algum tipo de consolo ouvindo o álbum, naquela época ou agora”. Com certeza, muitos encontraram consolo como também se tornaram fãs da banda ao ouvir umas das canções mais lindas melodicamente de Yankee Hotel Foxtrot. Um desses fãs arrebatados foi o cantor e compositor australiano Paul Dempsey. Em 2013, Dempsey lançou um disco chamado Shotgun Karaoke munido apenas de seu violão acústico e sua voz para fazer essa ótima cover de Jesus, Etc.
06 – Ashes Of American Flags – John Elliot [2020]
A lamuriosa Ashes Of American Flags é um olhar para a sociedade americana num tom de questionamento sobre a direção que o paÃs tomou, onde o obter mais bens materiais substituiu os valores iniciais da América. Este questionamento fica claro nos versos “I wonder why we listen to poets when nobody gives a fuck, how hot and sorrowful, this machine begs for luck”. E os últimos versos concluem essa desilusão com os rumos do paÃs e do capitalism na América: “I would like to salute the ashes of American flags, and all the fallen leaves, filling up shopping bags”. Estes versos evocam a imagem de consumidores que compram qualquer coisa, enchendo suas sacolas de compras com coisas mortas e sem vida, como "folhas caÃdas". Certamente Ashes Of American Flags é peça central desta obra-prima do disco que resume bem o espÃrito do álbum. Não sei até por isso ela se encontra propositalmente bem meio, a sexta música dentre onze no total. Por sua beleza e dificuldade em criar novos arranjos, existem pouquÃssimas covers. O cantor norte-americano John Elliot fez uma delas. Sem inventar, ele manteve o arranjo e o mesmo tom da original.
07 – Heavy Metal Drummer – Ezra Furman [2014]
Uma das músicas mais pop do disco e alto astral do disco. Um contraste total com Ashes Of American Flags. Ela fala sobre memórias de um Tweedy adolescente amante de punk rock, e como ele e seus amigos gostavam de zoar e divertiam ao assistir aos shows de bandas de Heavy Metal locais que tocavam na região de Laclede’s Lading, área noturna de St. Louis. E se é para divertir, nada melhor do que tocar uma cover num passeio de roda gigante. Foi exatamente isto que o cantor Ezra Furman fez. De posse de seu violão e gaita e com a ajuda obviamente um baterista, eles fizeram uma cover divertida num belo de dia verão dentro de uma das cabines da roda gigante do Navy Pier de Chicago.
08 – I’m The Man Who Loves You – Handsome Hound [2018]
Uma das músicas mais queridas pelos fãs do disco. I’m The Man Who Loves You fala da tentativa de reafirmar o amor, apesar da inabilidade de expressá-lo explicitamente. A música começa com o autor tentando (e falhando) escrever uma carta expressando seu amor, mas “tudo o que posso ver é preto e branco, e branco e rosa, com manchas de azul, que ficam entre as palavras que eu penso, em uma página que eu pretendia enviar a ela”. O tom mais pra cima e com acompanhamento de metais, e os uhh-uhh cantados fazem contraponto ao lado mais “sério” do álbum. O arranjo de metais (trumpete e saxfone) foi uma aposta da banda Hansome Hound que fez uma ótima cover.
09 – Pot Kettle Black – Kenny Talarico [2017]
Alguns riffs de Pot Kettle Black me faz lembrar dos famosos acordes In Between Days do The Cure. Outra música mais próxima do pop. Adoro também o refrão que diz: “Every song's a comeback, every moment's a little bit later”. É verdade, todas as músicas marcantes nos remetem a momento vividos, cada momento que lembramos já é parte do passado. Nessa cover de Kenny Talarico me fez lembrar dos One-men bands. Só que neste caso, ao invés do aparato instrumental fÃsico, carregando e tocando ao mesmo tempo vários instrumentos, houve um grande esforço tecnológico de Kenny para "encaixar" todos os instrumentos. Sem contar o trabalhão da edição do vÃdeo. O resultado final é excelente!
10 – Poor Places – Queer Jane [2020]
Poor Places faz uma mistura do folk, piano com eletrônica para em seguida construir camadas jazzÃstica antes de se transformar em um minuto ou mais de puro ruÃdo, com uma voz de mulher repetindo a frase “Yankee Hotel Foxtrot” repetidamente antes de um final abrupto. É fácil se perder com todo o barulho do final, mas ao mesmo tempo é possÃvel apreciar uma música muito boa com gostinho de quero mais! A cover da banda Queer Jane seguiu praticamente as mesmas ideias da música. Ela faz parte da coletânea “Just A Fan: A Tribute To Jeff Tweedy + Wilco” lançada no site Bandcamp em 2020, que reuniu 70 canções do Wilco. As vendas foram destinadas para locais que fazem apresentações musicais que sofreram muito na pandemia nos EUA, como bares, cafés e casas pequenas de shows.
11 – Reservations – Slow Mass [2019]
A música derradeira que fecha o disco tem 7 minutos, onde os 3,5 minutos é de uma balada de amor ao piano, com uma letra elegÃaca, sobre como manter um relacionamento. A maneira como Tweedy descreve isso está sintetizada no refrão que diz "eu tenho reservas sobre tantas coisas, mas não sobre você" (no caso você pode ser entendido como sendo o amor para com a outra pessoa). Os 3,5 minutos são de puro experimentalismo, algo que nos remete a Brian Eno, com distorções, barulhos que surgem e vão desaparecendo até o completo “fade away”. Já a cover da banda Slow Mass ficou muito bonita, e manteve o arranjo, mas descartou a parte eletrônica experimental da parte final.