0482 - Datemi Un Martello (If I Had A Hammer) - Rita Pavone [1964]


Quem não conhece a música Datemi Un Martello eternizada pela italiana Rita Pavone? Mesmo hoje, em pleno 2021, duvido que as pessoas desconheçam totalmente este hit. Recentemente a banda mineira Pato Fu gravou uma versão desta música muito bonitinha apenas com instrumentos de brinquedo, apenas um exemplo de que essa canção continua a fazer sucesso... 

A tal música do martelo, que ainda hoje atraem jovens de todas as idades, é um belíssimo retrato de canções da geração dos anos 60, dos bailinhos, da turma da jovem guarda, do rock pop tipo rockabilly. Com o famoso “tchu-tchu tchuu-raa” altamente pegajoso, virou um estrondoso sucesso na mesma época do Yeah Yeah Yeah dos Beatles e dos Rolling Stones. Um sucesso que saiu da Itália e que foi capaz de projetar Rita Pavone para todo o mundo. Segundo quem viveu aqueles tempos, o sucesso da Rita Pavone no Brasil puxado por Datemi Un Martello chegou a ser maior que a própria Beatlemania local!

Rita visitou o Brasil em 1964 para divulgar este seu trabalho, estourando a boca do balão com suas apresentações nos palcos do Teatro da TV Record. No blog Brazilian Rock 1957 há uma matéria completíssima sobre essa passagem que vale a pena ser lida. Ela também visitou nosso país em outras oportunidades, sendo a última em 2018 para uma turnê que passou por Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Na oportunidade ela também participou de programas de TV como o antigo Domingão do Faustão e foi entrevistada pelo Danilo Gentili no The Noite. Nesta entrevista ela falou de fatos de sua carreira como também explicou sobre a origem de Datemi Un Martello:


Pois é, a Rita confirmou uma suspeita que tínhamos: a música Datemi Un Martelo é uma cover cuja composição original é de autoria da lenda da música folk norte-americana Pete Seeger em parceira com Lee Hays.


Indo mais a fundo, descobrimos que Datemi Un Martelo nasceu na verdade com o título If I Had A Hammer no ano de 1949. Segundo o site Songfacts, Pete Seeger e Lee Hays foram membros fundadores da People's Songs, um selo especializado em músicas que apoiavam as causas de esquerda - incluindo a foice e martelo do comunismo. Em sua primeira reunião de diretoria, Seeger e Hayes, para evitarem o tédio, ficaram fazendo versos, passando uma folha de papel de um para o outro e assim acabaram compondo If I Had A Hammer em poucas horas. No Dia do Trabalho daquele mesmo ano de 1949, num show promovido por um jornal comunista, Seeger estreou a música e ficou impressionado com a reação positiva do público. Mais tarde, quando Seeger montou o grupo The Weavers, ele decidiu colocar If I Had A Hammer como uma das faixas do primeiro trabalho de estúdio do grupo, mas a canção passou totalmente desapercebida e não gerou o sucesso esperado. Confiram If I Had A Hammer original na voz de Seeger:


Mais de uma década após sua criação, If I Had A Hammer foi regravada por Peter, Paul and Mary. O trio folk surgido em Nova Iorque era formado por Peter Yarrow, Noel Paul Stookey e Mary Travers. O primeiro álbum lançado é de 1962 e trouxe vários sucessos como 500 Miles e Lemon Tree. O disco chegou a ficar 10 meses entre os mais vendidos nos EUA e permaneceu por 7 semanas na primeira posição da Billboard. O maior sucesso do disco foi certamente a cover de If I Had A Hammer – que recebeu o subtítulo The Hammer Song. A ideia de faze-la partiu de Mary que sempre se declarou como uma grande fã do trabalho de Pete Seeger. Com essa cover o trio acabou ganhando o Grammy de Melhor Gravação Folk e de Melhor Performance de um Grupo Vocal no mesmo ano de 1962.


Em 1963 o cantor Trini Lopez fez sua cover de pegada mais latina e mais acelerada durante seus shows ao vivo no PJ Nightclub em Hollywood. Com ela Trini acabou alcançando também o topo das paradas musicais norte-americanas. Um detalhe importante foi a inclusão do “uuwhoo whooo uuhh” na cover, algo que até então não aparecia na versão de Paul, Peter and Mary.


Ouvindo e vendo a cover de Trini Lopez podemos ter a certeza de que a adaptação italiana é baseada nesta interpretação. A versão italiana foi lançada em 1964, um ano após a versão de Trini. Com o título Datemi Un Martello (ou em uma tradução direta "Mê de um martelo) recebeu o texto do grande letrista italiano Sergio Bardotti. Apenas para referência, Bardotti foi responsável por criar o álbum I musicanti, que depois foi traduzido e adaptado para o português por Chico Buarque, que se tornou o famoso musical infantil Os Saltimbancos. Além disso, também participou da composição da música A Casa com Vinícius de Moraes e Toquinho.

Quando Seeger e Hays criaram If I Had A Hammer, eles imaginaram o martelo como uma metáfora para o poder e um chamado para usar esse poder para promover o amor, a inclusão e a luta contra a injustiça. A letra resistiu ao tempo pois essa luta continua ainda hoje.

Já o martelo de Bardotti e o de Rita é algo mais pueril dos anos 60 porém também permanece ainda hoje em nossas memórias. Afinal, para que serve esse tal martelo? Para “dar na cabeça de quem não lhe agrade, como aquela “vaidosa” de olhos pintados com quem todos os rapazes querem dançar; para dar na cabeça de todos os casais que preferem dançar agarradinhos com as luzes apagadas; para partir o telefone, pois a mãe deve estar quase a chamá-la para lhe dizer que são horas de voltar para casa, que o pai está prestes a chegar. Ela quer um martelo para poder bater na cabeça de quem não é “dos nossos”. Assim a nossa festa será mais bonita. Seremos nós sozinhos, e seremos todos amigos, faremos juntos o nosso baile com o surf e o hully gully. Que força terá!”

É interessante notar o contraponto: enquanto o martelo de If I Had A Hammer procura a inclusão daqueles que clamam por justiça, Datemi Un Martello é parte de um projeto adolescente cujo único objetivo é o de apenas melhorar suas festinhas. Não que isto seja uma crítica, mas o protagonismo do martelo na adaptação italiana foi muito bem pensado para a época e caiu nas graças da juventude.


Tanto If I Had A Hammer e Datemi Un Martello tiveram outras releituras muito boas como de a Johnny CashAretha Franklin e Sylvinha Araújo. Mas nenhuma delas se compara a interpretação e a ação de Rita Pavone dando o “tempero” certo para a “rebeldia” jovem / adolescente que queria emplacar sua marca naqueles anos 60 e conseguiu.

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